Um Salmo que os nossos governantes deveriam ler mais

 


Nesta semana, eu e Núbia (re)lemos um poema da Bíblia, supostamente atribuído ao rei Davi, que, embora seja pouco comentado, possui grande importância para ilustrar o modelo de governante que deveríamos ter. Trata-se do pequeno Salmo 101, com oito versículos apenas, que assim diz:


"Cantarei a misericórdia e o juízo; a ti, SENHOR, cantarei. Portar-me-ei com inteligência no caminho reto. Quando virás a mim? Andarei em minha casa com um coração sincero. Não porei coisa má diante dos meus olhos. Odeio a obra daqueles que se desviam; não se me pegará a mim. Um coração perverso se apartará de mim; não conhecerei o homem mau. Aquele que murmura do seu próximo às escondidas, eu o destruirei; aquele que tem olhar altivo e coração soberbo, não suportarei. Os meus olhos estarão sobre os fiéis da terra, para que se assentem comigo; o que anda num caminho reto, esse me servirá. O que usa de engano não ficará dentro da minha casa; o que fala mentiras não estará firme perante os meus olhos. Pela manhã destruirei todos os ímpios da terra, para desarraigar da cidade do Senhor todos os que praticam a iniqüidade" (Salmos 101:1-8; versão Almeida Corrigida)


Acredita-se que o texto citado fosse utilizado nas cerimônias de coroação dos antigos monarcas de Israel e que tinha a ver com a cultura de um antigo Estado religioso de uns três mil anos atrás.


Todavia, mesmo com os nossos valores atuais de separação entre Igreja e Estado, há preciosas palavras ali que expressam o nosso ideal de liderança e gestão, a começar pelas palavras "misericórdia" e "juízo", mostrando que o governante deve ser bondoso e compassivo, mas, ao mesmo tempo, um homem justo.


O termo traduzido por "coração sincero" relaciona-se um pouco com a ideia de transparência, mas é algo que tem mais a ver com a personalidade do gestor e a sua atitude interior. Porém, é algo incompatível com as atitudes falsas e enganadoras tão comuns aos políticos de hoje no Brasil.


Observa-se, em sequência textual, a sua escolha por não se satisfazer com o mal, sendo o olhar uma opção também por querer ver as coisas boas e não aceitar uma situação injusta. Até porque se tratava de um rei soberano, na época com poderes absolutos, que, sendo um homem justo, precisaria manter uma conduta de não ser condescendente com as coisas erradas quando estas chegassem ao seu conhecimento. Daí o salmista manifestar o seu ódio às obras dos que se desviam (da maldade).


Por outro lado, o poema nos leva a entender a opção de Davi por não compor o seu ministério com homens maus, o que constitui um grande desafio para os políticos da atualidade quando fazem os seus equivocados aliançamentos julgando-os como necessários. Porém, ao dizer que o homem perverso se apartará dele, o autor deixa claro que não quer se associar com tais pessoas às quais falta o atributo da integridade.


Outra postura muito importante do salmista é não acertar caluniadores covardes. Isto é, aquela gente que, às escondidas, propaga mentiras e fakenews a fim de difamar o próximo. Seu compromisso é com a verdade de modo que ele se propõe a combater esse tipo de atitude destrutiva e corrosiva dentro da sociedade na qual vive.


Também o soberbo e o orgulhoso não terá lugar em seu reino, mas o rei afirma que procurará as pessoas que forem "fiéis" no meio de seu povo. Ou seja, aquelas que são de boa conduta irão servi-lo (ser nomeada para algum cargo público de importância e de autoridade dentro do país).


Assim, o Salmo 101 termina com o compromisso de que o governante levará a justiça ao seu reino combatendo a corrupção e o crime, o que se inclui no vocábulo traduzido por "iniquidade". Isto significa que o rei promete ser incansável na sua luta para a promoção da justiça, numa época em que os Poderes estatais achavam-se ainda reunidos na pessoa do monarca, com exceção do ministério religioso que, segundo a legislação aplicável, deixada por Moisés, era exercido com exclusividade pelos sacerdotes.


Retornando aos tempos atuais, acredito que muitos desses valores precisam ser cultivados pelos nossos políticos/juristas antes mesmo de tomarem posse de qualquer cargo público. E, apesar dessa separação institucional entre Igreja e Estado, formalizada no Brasil desde a Proclamação da República (1889), creio que a aplicação do Salmo 101 permanece adequada aos nossos dias, independentemente de qualquer religião seguida pela autoridade. Pois é questão de ética e de atitude.


Mais do que um juramento recitado perante os homens, as palavras que dão sentido ao texto aqui comentado precisam estar no íntimo de quem pretende liderar uma nação. Logo, a mesma seleção que o salmista faz na escolha dos seus subordinados, devemos lembrar na hora de definirmos o voto porque numa democracia o poder emana é do povo.

Comentários