O livro de Gênesis conta uma breve história sobre a Torre de Babel.
Segundo a narrativa, depois do Dilúvio, os descendentes dos filhos de
Noé, quando chegaram à região de “Sinear” (sul da Mesopotâmia e do atual
Iraque), decidiram construir uma enorme torre para que não se
espalhassem. Deus, no entanto, não se agradou daquele projeto e os
confundiu para que a humanidade se dispersasse:
No mundo todo havia apenas uma língua, um só modo de falar. Saindo os homens do Oriente, encontraram uma planície em Sinear e ali se fixaram. Disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos e queimá-los bem”. Usavam tijolos em lugar de pedras, e piche em vez de argamassa. Depois disseram: “Vamos construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra”. O SENHOR desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E disse o SENHOR: “Eles são um só povo e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve nada poderá impedir o que planejam fazer. Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros”. Assim o SENHOR os dispersou dali por toda a terra e pararam de construir a cidade. Por isso foi chamada de Babel, porque ali o SENHOR confundiu a língua de todo mundo. Dali o SENHOR os espalhou por toda a terra. (Gn 11.1-9; Nova Versão Internacional – NVI)
Supõe-se que a Torre de Babel tenha sido um zigurate
bem semelhantes aos que foram construídos na Babilônia durante o
terceiro milênio antes de Cristo. O zigurate era um templo em forma de
pirâmides terraplanadas e que tinha vários andares com adornos de
possível significação cosmológica. Através do edifício, os povos da
Mesopotâmia buscavam estabelecer uma conexão vertical entre a terra e os
céus e, ao mesmo tempo, impunha-se uma conexão horizontal entre a
cidade e as terras. Acreditava-se que, no topo do templo, a divindade
descia para se encontrar com os seus seguidores.
Talvez a Torre
de Babel pudesse ter sido um local de adoração a Marduque, deus
babilônico considerado o protetor da cidade. Ou então, ainda não tinha
qualquer ligação com a idolatria religiosa dos sumérios, mas talvez
fosse o centro de um império que explorasse política e economicamente a
população já que o capítulo anterior de Gênesis conta sobre o reino de
Ninrode:
Cuxe gerou também a Ninrode, o primeiro poderoso na terra. Ele foi o mais valente dos caçadores, e por isso se diz: Valente como Ninrode”. No início o seu reino abrangia Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear. Dessa terra ele partiu para a Assíria, onde fundou Nínive, Reobote-Ir, Calá e Resém, que fica entre Nínive e Calá, a grande cidade. (Gn 10.8-12; NVI)
Não
importa o que possa ter sido historicamente a Torre de Babel, mas o certo é
que aquela obra contrariava os propósitos de Deus e a sua ordem para
que os homens se espalhassem pela superfície da terra (Gn 1.28 e 9.1,7).
Por isso, o SENHOR trouxe-lhes o desentendimento afim de que o tal
projeto não fosse adiante.
Mas o que a Torre de Babel tem a ver com as igrejas de hoje?
Eu
diria que muita coisa. Principalmente quando nos deparamos com
mega templos sendo construídos por certas instituições religiosas que
visam em primeiro lugar o lucro, os interesses políticos e o crescimento
em número de membros ao invés de verdadeiramente estarem alcançando
almas para viverem o Reino de Deus. E, dentro deste contexto, projetos
de igrejas faraônicas tornam-se excelentes oportunidades para se gastar
os recursos das ofertas, as quais são obtidas através de insistentes
campanhas milionárias com ilusórias promessas de riquezas e prosperidade
para aqueles que contribuírem.
Um aspecto muito negativo que
vejo nesses mega templos é a falta de comunhão entre o seus
frequentadores. Tais igrejas geralmente são fortemente dominadas por um
líder autoritário ou do contrário acabam se tornando uma Babel onde
ninguém mais se entende (em Gênesis há um intencional trocadilho no
texto do idioma original hebraico entre Babel e o vocábulo balal que
significa “confusão” ou “mistura”). Os membros envolvidos com algum
ministério passam a se tornar bajuladores do pastor e às vezes surge até
um sentimento de divisão e de inveja entre as pessoas, ao invés de
cooperação.
De modo nenhum quero me tornar preconceituoso contra
as igrejas maiores como se todas elas fossem sempre erradas,
manipuladoras e contrárias à obra de Deus. Porém, não me parece que
muitos projetos de construção de grandes templos estejam de acordo com
aquilo que os cristãos deveriam estar praticando, isto é, o “Ide” da
grande comissão ordenada por Jesus.
Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”. (Mateus 28.28-20; NVI)
E disse-lhes: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes sinais acompanharão os que crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”. (Marcos 16.15-18; NVI)
Ele lhes respondeu: “Não lhes compete saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade. Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra”. (Atos dos Apóstolos 1.7-8; NVI)
Infelizmente,
encontra-se hoje igrejas que quase não investem em missões. Algumas
enviam seus missionários para outras cidades e países mas, no meio de
trabalho, suspendem a ajuda financeira. Outras igrejas gastam tempo e
recursos apenas para administrarem a estrutura que criaram, tornando-se
lentas demais para desenvolverem projetos evangelísticos eficientes até
mesmo nos locais onde estão edificadas de modo que suas atividades
acabam se restringindo na prática aos “cultos” da semana e programas nos
meios de comunicação, sufocando outras iniciativas.
Ora, até que
ponto a institucionalização está sendo útil à obra de Deus? Será que o
excesso de estrutura já não está atrapalhando a Igreja no Brasil?
Na edição do volume
28, n.º 9 da revista da Missão Portas Abertas, há uma interessante matéria que fala acerca da China. A
reportagem é uma convocação para que os cristãos se mobilizem em
projetos de doação de Bíblias para os chineses. E, no texto “Mais
Bíblias para a China?”, lemos uma discussão sobre quantos cristãos existem
de fato naquele país:
“(...) A China é o país mais populoso do mundo, e, pela graça de Deus, o número de pessoas que se convertem a cada ano também é grande. Por causa do sistema de igrejas registradas (igrejas aprovadas pelo governo) e não registradas (igrejas ilegais), fica difícil saber exatamente qual é o real número de cristãos que existe no país. E este é um fator que faz com que existam duas versões sobre a distribuição de Bíblias na China. Dietrich Bauer, membro da Sociedade Bíblica da Alemanha, diz que o número oficial de cristãos na China é de 25 milhões. A pesquisa feita não inclui os membros de igrejas não registradas no governo. Se incluísse, este número chegaria a 100 milhões. Bauer declara que a falta de Bíblias não é fruto do comunismo, mas da escolha dos cristãos em não querer fazer parte do sistema de igrejas registradas pelo governo, já que só quem é registrado pode receber uma cópia das Escrituras. A Sociedade Bíblica do Reino Unido já em outra visão. Segundo sua pesquisa, o número de cristãos chega a 27 milhões, mas afirma que pode ser que haja mais de 90 milhões se os que fazem parte de igrejas não registradas fossem contados (…)”
Achei curioso que a maior
parte dos cristãos chineses se congregam em igrejas clandestinas, mesmo
tendo a possibilidade de serem institucionalmente reconhecidos. Mas
será que não está sendo melhor assim?
Aqui no Brasil, onde o
número de evangélicos não supera a quantidade de cristãos chineses, o
que não faltam são nomenclaturas de igrejas. Se bobear, diariamente um
ou mais templos são inaugurados e já não se tem a conta de quantas
denominações existem ao todo. Mas onde é que estão as pessoas? O que
elas andam fazendo para a obra de Deus? Ou em que ministério estão
realmente atuando? Quais são suas reais expectativas? O que as motivam
no dia a dia?
Penso que nós, os cristãos brasileiros, deveríamos
nos importar menos com o trabalho institucional e focarmos mais no amor
ao próximo. Ao invés de termos como maior objetivo o aumento do número
de membros da nossa denominação ou do templo onde nos congregamos, por
que não passamos a cultivar a nossa comunhão com mais simplicidade, sem
manipulações ou jogos de poder? E pra que tanto apego ao dinheiro e
coisas materiais? Será que a Igreja de Atos dos Apóstolos viveu uma
utopia?
Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um. (Atos 4.32-35; NVI)
Depois
do Brasil ter enfrentado o regime militar, vive-se hoje na ditadura do
individualismo. Nosso povo perdeu o senso de comunidade e isto,
lamentavelmente, reflete dentro das nossas igrejas. Logo, é preciso que
resgatemos a vida comunitária, o que pode ser melhor experimentado
dentro das congregações menores espalhadas pelos bairros e nas células,
desde que fiquem livres das pressões centralizadoras das denominações.
Como
seremos cristãos na comunidade?! Parece-me que este seja o grande
desafio dos tempos atuais em que a Igreja (o povo de Deus) é chamado
para sair da máscara dos grandes templos para levar o Evangelho a quem
está no lado de fora. Ou seja, ao invés de chamarmos insistentemente as
pessoas para virem nas reuniões de nossas igrejas, nós é que precisamos
trazer a Igreja até elas, mostrando que nos importamos de verdade com o
próximo, não nos esquecendo que há outros meios de evangelizar sem o uso
da palavra.
Que Deus traga direções à sua Igreja no Brasil e sejamos capazes de obedecê-las!
OBS: A ilustração acima sobre a Torre de Babel é uma obra do pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho (1525/1530 — 1569), a qual extraí do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_de_Babel#/media/File:Pieter_Bruegel_the_Elder_-_The_Tower_of_Babel_%28Vienna%29_-_Google_Art_Project_-_edited.jpg
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