O que Jesus disse e ainda não conhecemos?




Na fase conclusiva sobre o estudo que fiz em meu blogue pessoal sobre o Evangelho de Lucas, no ano de 2013, deparei-me com alguns questionamentos na internet acerca do período de 40 dias em que Jesus teria permanecido com seus discípulos transmitindo-lhes supostos ensinamentos não divulgados pelos textos canônicos. Embora o referenciado livro bíblico não dê nenhuma indicação de tempo, sabemos pela leitura de Atos dos Apóstolos (uma continuação do 3º Evangelho), que, até o momento de sua ascensão, nosso Senhor havia dado "mandamentos por intermédio do Espírito Santo". E isto realmente abre espaço para várias indagações. Principalmente quando, na literatura não oficial (tida por "apócrifa" pela ortodoxia cristã), encontramos referências a uma suposta "doutrina secreta" do Mestre.

De acordo com algumas histórias, Jesus teria estado com seus seguidores por dezoito meses (Adversus Haereses I 3:2) enquanto que, em outras, o tempo total das aparições do Cristo ressurreto duraram quinhentos e quarenta e cinco dias (Ascensão de Isaías 9:16). Já o Pistis Sophia, um livro "gnóstico" combatido pelo apologeta Irineu de Lyon no mencionado Adversus Haereges (literalmente Contra Heresias), informa que esse espaço de tempo foi de longos doze anos, cerca de quatro vezes o ministério terreno do Senhor na Palestina. E, neste contexto, há quem acredite ser as sentenças do Evangelho de Tomé a reunião dessas "últimas palavras" do Salvador.

Seja como for, o certo é que há inúmeras especulações acerca desses ensinamentos "misteriosos" em que hoje pesquisadores científicos e amadores esforçam-se por restaurar a partir de fontes encontradas/recuperadas pela Arqueologia. O fato do catolicismo que se oficializou em Roma no século IV ter destruído inúmeras obras reputadas como "heréticas" tem levado muitos nessas últimas décadas a alimentarem a crença de que, procedendo assim, aproximarão do que teria sido o cristianismo primitivo ainda mitologizado como um modelo perfeito de Igreja.

Considerando a decepção que há hoje em dia com o meio religioso, tanto entre evangélicos como no catolicismo, com sacerdotes acusados de corrupção e de pedofilia, consigo compreender melhor o porquê dessa busca por um outro cristianismo. Contudo, fico a indagar se o aprendizado de um novo conteúdo informativo fará uma diferença substancial para a humanidade. Questiono se muitos não estariam querendo fazer dos livros redescobertos pela Arqueologia uma espécie de "pílula" para resolverem essa necessidade de orientação/conhecimento espiritual quando, na verdade, podemos encontrar Deus dentro de nós mesmos e sermos guiados pelo seu Espírito Santo.

Não pretendo de modo algum desestimular as pesquisas arqueológicas, históricas e teológicas sobre um outro cristianismo que de fato existiu nos primeiros séculos da nossa era e foi tão perseguido pelos católicos antigos. Muito pelo contrário! A ampliação da nossa enciclopédia sempre haverá de ser algo proveitoso para os mais diversos fins e a humanidade tem o seu direito de saber. Paulo mesmo orientou os tessalonicenses que examinassem tudo retendo o que fosse bom (1Ts 5:21). Somente não concordo que a mera leitura de qualquer escrito, por si só, promoverá uma experiência transformadora. E digo isto até mesmo em relação à Bíblia que considero a minha bússola da qual não me desfaço por mais que a ciência avance e várias concepções filosóficas modernas tenham surgido. As Escrituras Sagradas continuam sendo minha companheira de todas as horas e que não deixo aberta num dos Salmos pegando poeira na estante, mas consulto frequentemente suas páginas.

Voltando a Lucas, consta no verso 45 do capítulo 24 que Jesus "abriu o entendimento" dos discípulos para que eles compreendessem as Escrituras. E, deste modo, falando numa linguagem popular, penso que a experiência da ressurreição fez "cair a ficha" no coração deles. Os ensinamentos transmitidos que durante a vida terrena do Mestre nem sempre bem compreendidos, começaram então a fazer sentido juntamente com uma nova maneira progressista de interpretação da Bíblia. Lembremos também da palavras dos anjos ditas às mulheres quando foram ao sepulcro levar aromas (Lc 24:5-9) e dos dois discípulos de Emaús (24:30-31). Aliás, foi o que tratei em algumas postagens feitas em dezembro no meu blogue, as quais se referem ao capítulo final do 3º Evangelho: "Ele não está aqui, mas ressuscitou" (17/12/2013), Caminhando e conversando com Jesus (19/12/2013) e Compreendendo as Escrituras (22/12/2013).

Respondendo à pergunta formulada no título deste artigo, eu diria que há ainda muita coisa que hoje precisamos conhecer para darmos um salto de qualidade na nossa caminhada espiritual. Falo em conhecer não apenas com a mente, mas num sentido espiritualmente mais íntimo. Pois não basta alguém simplesmente decorar um conteúdo ou entendê-lo pelas razões da lógica. Deve-se buscar uma experiência com a Palavra da mesma maneira que um homem só conhece a sua esposa quando se relaciona com ela na privacidade matrimonial, dentro de um contexto verdadeiramente amoroso.

Sendo assim, precisamos aprender mais sobre o amor fraternal através da prática de atos condizentes com este princípio basilar que rege toda a Lei de Deus e sua aplicação.

Precisamos desenvolver um profundo sentimento de respeito pela Vida que há em nós, no nosso semelhante e também nos seres das outras espécies, pois só assim estaremos verdadeiramente reverenciando o grande Arquiteto do Universo.

Precisamos entender que somos todos iguais em direitos e, portanto, devemos saber partilhar o nosso excedente com quem tenha falta de alguma coisa.

Precismos tomar a consciência de que todos cometemos erros de modo que não podemos ser tão intolerantes, arrogantes e julgadores quanto às falhas dos outros.

Precisamos enfrentar com fé os desafios que se apresentam no nosso cotidiano ao invés de alimentarmos dentro de nós o medo, a inútil ansiedade e a paralisia espiritual que é a falta de esperança.

Precisamos sentir fome e sede de justiça, esforçando-nos coletivamente para construir um mundo melhor para a nossa geração e dos nossos descendentes mesmo que não venhamos a ter filhos biológicos.

Precisamos ter a simplicidade de uma criança arrancando de dentro todo o orgulho que nos mata interiormente e impede que contemplemos as coisas do Reino de Deus.

Precisamos não abandonar a vigilância e nem a rotina oracional afim de estarmos sempre prontos para uma boa obra e olhando para os acontecimentos em nossa volta na perspectiva do Cristo, sendo certo que o nosso Jesus sempre buscou cumprir fielmente a vontade do Pai.

Tudo isso e muito mais encontra-se suficientemente documentado nas palavras atribuídas ao Mestre Jesus, o qual, por sua vez, soube dar um adequado significado à Lei de Moisés e aos Profetas numa sensível conexão com o tempo. E, se formos competentes em assimilar a essência dos ensinamentos que ele nos deixou (não basta apenas alguém memorizar), promoveremos uma diferença transformadora neste planeta gestificando a Mensagem pelas ações realizadas.

Que o Espírito de Deus nos ilumine!


OBS: A ilustração acima trata-se de um manuscrito do Evangelho de Lucas datado do século III. Encontra-se na Chester Beatty Library, Dublin, Irlanda. Extraí a foto do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:P._Chester_Beatty_I,_folio_13-14,_recto.jpg

Comentários

  1. Muito bom o texto, Rodrigo.

    Sempre houve muitos cristianismos, então veio Constantino e padronizou tudo. Creio que isso fez um grande mal ao movimento de Jesus. Sobre os tais ditos secretos, creio que não passam de especulação. Mas a arqueologia é dinâmica, então um achado pode mudar tudo.

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    1. Olá, Edu. Verdade é que nenhum desses achados conseguiu esclarecer o suficiente sobre as origens do cristianismo sendo certo que ainda desconhecemos um texto antigo escrito em língua semítica que possa ser de algum dos primeiros discípulos do Mestre. Porém, o interessante é que passamos a saber um pouco mais sobre esses outros cristianismo que, embora tenham fugido do padrão dos católicos imposto via Constantino, têm alguma utilidade para edificação das pessoas. Só não acho que seja possível acrescentar algo à Palavra de Deus que está perto de cada um, na boca e no coração. Daí a ideia de que o Reino encontra-se dentro de nós pois por mais que alguém leia os livros sagrados, não terá um encontro com a Palavra pela quantidade de conteúdo assimilado pela mente.

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