por Matheus De Cesaro
“Deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações
que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a
dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de
considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar
o esforço empregado nela”
Arthur Schopenhauer – A Arte de Escrever
Na pegada do Nobre Amigo Altamirando e sua idéia de
“Suícidio Intelectual”, eu vou trazer aos Nobres Amigos Confrades, um texto já
antigo, pois o tempo não me permite destilar o veneno que tenho absorvido nos
últimos dias rsrsrsrs... Talvez o texto não gere debate, discussões, mas se
este nos fizer refletir sobre o que esta acontecendo em nossas academias, ele
alcançou seu objetivo.
Lembro-me que quando tinha eu, uns 8 ou 9 anos, em
um dia de natal, ter pego em mãos um caderno e um lápis, ter olhado para o meu
falecido pai e ter dito, “vou escrever um livro”. Parece algo insignificante,
se nos basearmos na idéia de que nunca tenha escrito um livro. Mas ali, naquele
mesmo instante, se acendeu em mim, o gosto pela leitura e pela escrita, hábito
que carrego comigo desde a infância até os dias de hoje. Mas, se tem uma obra,
um artigo, algo que tenha me influenciado muito nesta belíssima relação com as
letras, é a “Arte de Escrever” de Arthur Schopenhauer, onde ele expõe de forma
crítica e muito contundente suas opiniões e pensamentos sobre o ato da escrita.
Chamando a atenção para questões que na época, e também hoje são muito atuais e
pertinentes. Ele sem papas na língua, o que lhe era comum, se opõe a literatura
de consumo, e busca estabelecer uma distinção entre aqueles que em suas idéias
seriam bons autores, e os que na verdade buscavam apenas cifras e o status que
na época recebiam os escritores. Desta forma, ele não escapa de recriminar
grande parte dos jornalistas do seu tempo, condena o hábito do abandono dos
clássicos para se deter ao novo, as novas literaturas que surgiam aos montes, e
acaba por concluir por meio de algumas considerações que nascia naquele
período, o que ele denominou de “degradação da língua por meio de uma
literatura decadente”.
Trazendo esta idéia para nossa realidade, e
contextualizando com o nosso cotidiano, eu percebi uma semelhança muito grande
em relação à forma como tratamos e conduzimos o que lemos e escrevemos.
Em meio à facilidade no acesso de informações que
hoje possuímos, percebe-se na era atual uma desenfreada guerra pelo “pseudo
saber”, pois de fato se busca conhecimento em excesso, sem a compreensão
necessária do adquirido, no objetivo nefasto e decadente, de construir uma
pseudo sabedoria, e então, por meio da aparência desenvolver uma suposta
intelectualidade, que ao primeiro olhar nos permite ficar admirados, abismados,
e até cheios de orgulho por estar diante de uma “mente brilhante”, mas
que, com o passar do tempo nos revela sua fraqueza e superficialidade. Desta
forma surge uma gigante onda de literaturas enfadonhas, que apenas repetem
informações que já são ecoadas de diversas formas, pelos mais variados autores.
Mais do mesmo, com uma nova roupagem, para que então se esteja adequado para a
venda. Não se tem foco na “instrução”, não se estimula o pensar, não se
valoriza a mente humana, apenas vãs repetições. Como afirmou Schopenhauer,
“Em geral, estudantes e estudiosos de
todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a
instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre
todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o
conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio
para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é essa
maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica.”
Partindo destas premissas
extraídas da obra de Schopenhauer, fico a pensar e repensar a grande diferença
entre estar informado e instruído para determinadas situações na vida. E não
vejo nenhuma forma de não lembrar ou mencionar as academias, que a cada ano que
passa forma milhares de pessoas nos mais variados ramos e segmentos, providos
de muita informação, porém desprovidos de instrução. É claro que de forma
alguma posso considerar as academias de ensino irrelevantes ou desnecessárias,
isso faria de mim, um completo tolo, elas tem sim um papel importante na nossa
formação, mas estar instruído depende muito mais de nós mesmos do que das
academias. Certa feita li uma frase de Carlos Drummond de Andrade em um texto
publicado em um artigo de uma revista, que me chamou muito a atenção, ela
dizia:
"As academias
coroam com igual zelo o talento e a ausência dele."
Desta forma, é fácil compreender o que estou a
dizer em relação as academias de ensino. São necessárias e essenciais,
porém não são a garantia de que estejamos instruídos para compreender todas as
informações que recebemos nos 4, 5 ou mais anos que estivemos nelas, isso
depende única e exclusivamente de nós, do nosso talento, da nossa percepção.
Sempre me dediquei a leitura, e incentivei aos
amigos e conhecidos que desenvolvessem este hábito. Mas hoje, faço diferente.
Esforço-me para fazer com que todos compreendam que necessário é pensar sobre o
que se lê, analisar o que se lê, exercitar a mente por meio das informações
para que então, nossa mente esteja instruída. Muitas vezes não é o muito ler, e
sim o pouco de forma pensada e analisada que fará a diferença, que nos levará a
“instrução”. Como disse Nietzsche em Ecce Homo, Aforismo 8 de “Porque sou tão
Inteligente?”.
“O erudito que no fundo “folheia”
apena ainda livros, acaba por perder inteiramente a capacidade de pensar por
si. Se não folheia, também não pensa. Responde a um estímulo (um pensamento
lido), quando pensa em última análise, ainda simplesmente reage. O erudito
despende toda a sua força em dizer sim e não, na critica do que já foi pensado,
pessoalmente já não pensa... O erudito “um décadent”... Eis o que vi com
os meus olhos: Naturezas dotadas de ricas e livres tendências, já aos trinta
anos se tinham tornado uma desgraça pela leitura, simples fósforos que, para
produzirem faíscas (idéias) carecem de fricção.”
Entendo que, o melhor caminho hoje para à
instrução, é a percepção de tudo que vamos acumulando em relação à informação.
Um entendimento mais amplo do que existencialmente permeia e norteia nossas
vidas. É como adquirir à capacidade de ler o dia-a-dia, a vida, as pessoas, a
natureza, é como perceber que para aprender e estar instruído é necessário um
pouco mais do que livros. Lin Yutang, um grande escritor chinês do inicio do
século XX, em sua obra “A Importância de Viver”, se refere a essa questão
usando a expressão “O Paradoxo da Leitura”. Ele diz,
“O sábio lê livros, mas lê também a
vida. O universo é um grande livro e a vida é uma grande escola. Quanto mais
leio mais ignorante fico. A escolha que hoje se depara a qualquer homem educado
é entre a inocência que não lê e a ignorância que lê muito. É possível
sustentar alguma aparência de exatidão que a imprensa de hoje mata a leitura e
a leitura mata o pensamento”
Agora, fico a imaginar...
Se Schopenhauer já no século XIX, e Lin no século
XX sem a facilidade que hoje temos no acesso as informações e com todas as
dificuldades que se tinham para ter em mãos obras significativas do período já
detectavam essa onda de decadência na arte da escrita e da leitura de forma tão
concreta, o que diriam hoje em relação aos pensadores e escritores do nosso
tempo, que tendo a disposição o Google, Wikpédia, e tantas outras formas de
rapidamente acumular informações não conseguem deixar de serem apenas medíocres
escritores a repetir o passado?
Posso estar parecendo um tanto quanto crítico... E
se realmente essa for à aparência, tenho por certo que alcancei meu objetivo.
Precisamos orientar a nossa geração, e as novas gerações a estimularem o
pensamento, a buscarem extrair, ruminar, fazer sair água da pedra. Precisamos
fazer renascer a “Arte de Escrever”. E para isso, talvez seja necessário
aprender a ler, de forma ordenada, pois o contrário disso não alimenta, apenas
entorpece-nos, nos tornando incapazes de refletir, e, por conseguinte, de produzir.
Não que esteja sendo radical, mas a leitura quando desordenada nos escraviza às
imagens mentais, ao fluxo e refluxo das idéias que nos limitamos a contemplar
na simples condição de espectadores, uma espécie de embriaguez que imobiliza e
desafina nossa inteligência. Talvez A. D. Sertilinges em “A Vida Intelectual”
tenha sintetizado isso de forma muito clara quando afirma,
“Não esperemos trabalho verdadeiro de
quem cansou os olhos e as meninges a devorar livros; esse encontra-se,
espiritualmente, em estado de cefalalgia, ao passo que o
trabalhador, senhor de si, lê com calma e suavidade somente o que quer reter, só retém o que deve servir, organiza o cérebro e não o maltrata com indigestões absurdas."
trabalhador, senhor de si, lê com calma e suavidade somente o que quer reter, só retém o que deve servir, organiza o cérebro e não o maltrata com indigestões absurdas."
Desta forma compreendo que o que de fato importa, não
é a quantidade, o número de informações que se acumule, mas primeiramente a
qualidade e a forma como se digeri tudo isso. Pois não é o material que nos
falta ao pensamento, e sim os pensamentos, em relação a quantidade de materiais
que absorvemos todos os dias. O máximo que podemos ter mantendo um hábito de
leitura desordenada, seria uma forte e desagradável indigestão de informações e
conhecimentos.
Foi desta forma, ruminado durante tempos,
analisando e tendo cuidado de não manipular os escritos que pude compreender a
mensagem de Schopenhauer, que radicalmente disse,
“Escreva seus próprios livros dignos
de serem traduzidos e deixe outras obras como elas são”
Mas em suma, para finalizar este artigo, quero
enfatizar, deixar claro ao leitor que, o que o objetivo em montar essa
crítica, é reavivar em todos o desejo pela leitura, o pensar e a escrita,
incendiar o espírito poeta que muitas vezes adormece entre a confusão de nossos
sentimentos e o excesso de informações. Pois não há quem nos faça a vida ser
mais leve, quem nos leve a perceber a realidade dos sentimentos mais comuns da
vida, do que um poeta entregue ao seu ofício, o de inspirar e fazer
inspirar, o de pensar e fazer pensar, não devemos ser escravos da letra, e sim
fazer com que elas associadas ao nossos pensamentos produzam vida ao serem
lidas, gerando benefícios e crescimento.
"Os poetas têm
de ser pessoas médias,
nem deuses, nem
vendedores de livros."
Horácio
Meu pensamento em relação ao saber de um modo geral e não só o da escrita pode ser parafraseado da sentença de Carlos Drummond, que nosso confrade MATHEUS citou em seu belo e arguto texto:
ResponderExcluir"As academias coroam com igual zelo o talento e a ausência dele."
Eu reformaria a frase do imortal brasileiro, que provavelment escreveria algo assim se vivesse nos nossos vãos e apagados dias:
"As academias coroam o talento quase com o mesmo zelo com que coroam a ausência dele".
Se no tempo do mineiro de Itabirito havia igualdade de tratamento, atualmente o culto ao vulgo, à facécia, ao desprezo e às nulidades, todos sintomas do mais abjeto desconhecimento das coisas, está prevalendo.
E não pensem os leitores que a carapuça não me sirvam. Que serve também, mas seguramente não no primeiro lugar da fila!
Neste universo de palavras e ideias existe um principio basico que não deve ser negligenciado sob pena de grande confusão: É interesse de quem comunica se fazer entender e é interesse de quem recebe a mensagem compreende-la.
ResponderExcluirMatheus,
ResponderExcluirPrimeiramente folgo em saber que há alguém cansado de baboseiras repetitivas e o parabenizo por publicar um texto esperando não gerar debates mas que causa reflexão do apedeuta ao intelectual. Mesmo inconscientemente "destilando seu veneno", suas alusões são certíssimas. Pena que poucos assimilarão o conteúdo.
Na leitura o que interessa é a qualidade da informação e não a quantidade digerida. A carapuça tem tamanho universal. Serve para incultos, analfabetos funcionais, suicídas intelectuais, intelectuais de um livro só e filósofos.
Caro Matheus
ResponderExcluirQuero republicar o comentário que fiz, no final de novembro de 2012, a esse texto que você postou em primeira mão no blog “Filosofia de Boteco":
“O que mais vejo hoje em dia é a criançada em volta de uma tela. O que me dói é que elas não estão interessadas em acessar as bibliotecas virtuais, mas, os famosos Twitter, facebook , MSN, jogos e sites de fofocas e outros tipos de espetáculos para os olhos - como o Youtube.
No meu tempo de estudante a redação era de fundamental importância para se passar de uma série para outra. Hoje, com o advento da internet, basta um simples clicar para se ter informações aos montes, e enlatados de respostas prontas que mais envenenam do que ensinam.
Que futuro terão as crianças de hoje, se nem mesmo os professores sabem fazer uma redação ou uma simples interpretação de textos de autores clássicos?”
Nobres Amigos Confrades,
ResponderExcluirMe lembro que quando eu tinha uns 9, 10 anos, eu ia na biblioteca da escola e levava para casa sempre alguns livros para ler... nesta época li toda a coleção Vagalume, lia os livros da Ruth Rocha, tipo "Caloca o dono da bola", que é um clássico infantil, e desde cedo fui tomando gosto por este saudável hábito de ler... Já na adolescência, descobri a biblioteca pública, e comecei a ler cada vez mais, "queimava unzinho" e passava a tarde na biblioteca lendo rsrsrsrsrs
Hoje, eu ainda leio bastante, parece até um vicio, mas, sou muito mais seletivo, já não leio mais qualquer coisa como fazia até alguns anos atrás... E geralmente só compro livros depois de pesquisar muito sobre o mesmo. É claro que de vez em quando, eu ganho umas "jóias" deste mercado literário de auto-ajuda rsrsrsrsrs Mas não consigo passar dos primeiros capitulos, servem apenas para fazer número na estante.
Por isso eu concordo com o Altamirando quando diz, "Na leitura o que interessa é a qualidade da informação e não a quantidade digerida".
Nobre Amigo Levi,
ResponderExcluirLembro muito bem deste comentário. Lembro também de ter dito em minha resposta que temia tal situação. E vou lhe a zer... Esta cada vez mais tenso... Os jovens não vivem mais, estão cada vez mais alienados... Antigamente a preocupação era a televisão, e até hoje, ainda falamos que a TV aliena as pessoas... Mas a Internet já superou a televisão a anos.
Mas penso eu também, que esta questão esta ligada a criação da rapaziada. Os pais precisam ser mais participativos nesta parte, conviver mais, deixar essa loucura do mundo um pouco de lado, para estar mais presente. As vezes penso que estamos nos tornando uma geração de robos.
E até peço desculpas aos confrades por não trazer algo mais fresco para digerirmos, realmente meu tempo esta muito escasso... Trabalho, aulas, casamento e mudança de cidade dentro de poucos dias, tem me feito correr que nem doido rsrsrsrs
Math, esses dias eu lia algo que o poeta Olavo Bilac já dizia lá pelos idos do início do século 20. Dizia ele que a vida estava tão corrida que ninguém mais parava para pensar e refletir. Imagina se ele aparecesse hoje aqui pela blogosfera...?
ResponderExcluirNobre Amigo Eduardo,
ResponderExcluirSabe que as vezes, tem livros que leio, e releio diversas vezes. E sempre, surgem novas concepções e visões a cada leitura. E esta semana relendo o "A Interpretação dos Sonhos Vol. IV (1900)" do Dr. Sigmund Feud, um fragmento me chamou muito a atenção e vou compartilhar aqui com os nobres amigos.
"Tenho observado, em meu trabalho psicanalítico, que todo o estado de espírito de um homem que esteja refletindo é inteiramente diferente do de um homem que esteja observando seus próprios processos psíquicos. Na reflexão, há em funcionamento uma atividade psíquica a mais do que na mais atenta auto-observação, e isso é demonstrado, entre outras coisas, pelos olhares tensos e o cenho franzido da pessoa que esteja acompanhando suas reflexões, em contraste com a expressão repousada de um auto-observador. Em ambos os casos, a atenção deve ser concentrada, mas o homem que está refletindo exerce também sua faculdade crítica; isso o leva a rejeitar algumas das idéias que lhe ocorrem após percebê-las, a interromper outras abruptamente, sem seguir os fluxos de pensamento que elas lhe desvendariam, e a se comportar de tal forma em relação a mais outras que elas nunca chegam a se tornar conscientes e, por conseguinte, são suprimidas antes de serem percebidas. O auto-observador, por outro lado, só precisa dar-se o trabalho de suprimir sua faculdade crítica. Se tiver êxito nisso, virão a sua consciência inúmeras idéias que, de outro modo, ele jamais conseguiria captar."
Refletir é mais do que necessário, para não ficar estagnado, imobilizado no mesmo lugar, pensando talvez, que este seja o melhor lugar.