Um poema de Chico Buarque
Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo,
aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada
nem descia.
Não estava resfriada
mas tossia.
Ouvia conto de fada
e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem de amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol
porque tinha medo da sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada,
deitada, mas sem dormir,
com medo de pesadelo.
Era a chapeuzinho Amarelo.
E de todos os medos que tinha
o medo mais que medonho
era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheia de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.
Mesmo assim a Chapeuzinho
tinha cada vez mais medo
do medo do medo do medo
de um dia encontrar o LOBO.
Um LOBO que não existia.
E Chapeuzinho Amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz
de comer duas avós,
um caçador,
rei, princesa.
sete panelas de arroz
e um chapéu
de sobremesa.
Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo,
o medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Foi passando aquele medo
do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco
de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo
e ela ficou só com o lobo.
O lobo ficou chateado
de ver aquela menina
olhando para cara dele,
só que sem medo dele.
Ficou mesmo envergonhado,
triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirando o medo,
é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pelo.
Lobo pelado.
O lobo ficou chateado.
Ele gritou: SOU UM LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: sou um LOBO!
Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!
Chapeuzinho, já meio enjoada,
com vontade de brincar
de outra coisa.
Ele então gritou bem forte
aquele seu nome de LOBO
umas vinte e cinco vezes,
que era pro medo ir voltando
e a menina saber
com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO
AÍ,
Chapeuzinho encheu e disse:
"Para assim! Agora! Já!
Do jeito que você tá"
E o lobo parado assim
do jeito que o lobo estava
já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um belo bolo de lobo fofo,
tremendo que nem pudim,
com medo da Chapeuzim.
Com medo de ser comido
com vela e tudo, inteirim.
LOBOLOBO
Chapeuzinho não comeu
aquele bolo de lobo,
porque sempre preferiu
de chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo,
menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva
nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca,
vai à praia, entra no mato,
trepa em árvore, rouba fruta,
depois joga amarelinha
com o primo da vizinha,
com a filha do jornaleiro,
com a sobrinha da madrinha
e o neto do sapateiro.
Mesmo quando está sozinha,
inventa
uma brincadeira.
E transforma
em companheiro
cada medo que ela tinha:
o raio virou orrái,
barata é tabará,
a bruxa virou xabru
e o diabo é bodiá.
FIM
Este poema do Chico faz parte de um livro infantil editado pela fundação Itaú social. Já li para o Eduardinho e ele gosta muito de ouvir(e principalmente ver) as ilustrações do livro que eu estrategicamente, não incluí na postagem.
ResponderExcluirUma história infantil mas que se serve de "devocional" pra qualquer adulto. Acho que o LEVI vai gostar muito de analisar o teor deste poema e os confrades, talvez, achem um bom caminho pra se livrar do LOBO.
Na minha opinião o pior lobo é nós mesmos!
ResponderExcluirEdu
ResponderExcluirVocê está interpretando bem essa historieta para seu filho? (rsrs)
“Medo do Lobo” em psicanálise significa “medo do Pai”. Quando a criança cresce perde o medo do pai. A criança ao descobrir os pontos fracos do pai, passa a “gozar“ dele .
Ao ser manipulado (como massa) o pai se transforma em bolo, para ser “comido” em fatias.
E o Lobo do pai, coitado, ante a emancipação precoce do filho só sabe dizer: Me respeite! Me respeite! Eu sou seu pai!. (kkkkkkk)
Será que isso também vale para o Pai simbólico da religião? (rsrs)
Para mim, o pior dos medos era o medo de ter medo.
ResponderExcluirLevi, assim você me derruba...kakakakakkausuuss
ResponderExcluireu espero que meu filho não descubra meus pontos fracos, pois quero logo dizer-lhe quais eles são e espero que ele também(como a chapeuzinho amarelo) não goste de "bolo de lobo"...
Eu estou querendo ver nesse poema do Chico o modo como você pode "domesticar" ou até mesmo dominar os seus medos(lobos), que em muitos casos, são provocados pelos nossos próprios medos de não ter medo.
Mas a resolução que a Chapeuzinho engendrou foi perfeita: fazer de cada medo/lobo um amigo. Desse jeito, diabo vira bodiá.
O pai simbólico da religião também poderia logo confessar aos seus filhos quais seriam seus pontos fracos...rsss
Edu,
ResponderExcluirEstou sentindo a falta das “tiradas” do Miranda, principalmente em um tema teológico-psicológico recheado de símbolos arquetípicos como: Bolo, Lobo, Chapeuzinho (ovelhinha), Medo, e Diabo (rsrs)
É verdade, por anda nosso sintético Mirandinha?
ResponderExcluirAi, que lindo!!!
ResponderExcluirEdu, acabei de ler para o Guilherme que anda com medo de dormir sozinho. Ele não sabe explicar, tem um pouco do inexplicável do medo, e um pouco de manha que garante poder dormir entre o pai e a mãe de vez em quando . E eu que sou uma mãe mega protetora me pego tendo que me policiar, pois sem querer, inconscientemente deixamos os filhos com medo, para que queiram estar com a gente, que necessite muito do nosso abraço, do nosso consolo. Eu ando dizendo pra ele que lobo não existe. É a a minha função! Mais que medo!
Beijos!!!
Mari, é verdade, muitos dos medos dos filhos são os pais que alimentam. O medo em si é um sentimento natural, que nos faz reagir diante de um perigo. O problema são os perigos imaginários!
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